sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Pela metade há 5 anos

Foi em um 10 de janeiro que rezei o Pai Nosso mais longo da minha vida. Enquanto rezava segurando a mão direita do meu pai, acompanhei impotente os batimentos dele diminuírem até o alerta sonoro contínuo do aparelho, que nunca saiu da minha memória.
Tantas coisas aconteceram nos últimos 5 anos, mas não preciso contar, né? Sei que o senhor está sempre comigo.
Gostaria de saber a sua opinião sobre as minhas escolhas, os novos amigos, as namoradas, minha performance como baterista, minha profissão, Fórmula 1, os novos episódios do Chaves... Mas tento imaginar.
Obrigado, paizão!


Dois meses após a morte do papai, eu ingressei na faculdade de jornalismo. O meu primeiro trabalho foi uma redação. O texto foi uma homenagem ao Sr. Wanderlaan. Poucas pessoas tiveram acesso a esse texto até hoje. Acho que só a professora, minha mãe, minha irmã e a colega de faculdade, com que eu viveria uma paixão universitária ao ponto de morarmos juntos. A coincidência é que ela faz aniversário no dia 10 de janeiro.
Achei a redação na pasta de trabalhos da faculdade:

BIOGRAFIA DE UM GRANDE HOMEM

Wanderlaan Cantharino nasceu em 13 de julho de 1938, em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo. Filho de mãe capixaba e pai italiano.
Ainda criança, sua família mudou-se para o Rio de Janeiro, onde anos depois prestou serviços ao Exército Brasileiro. Ele pediu baixa da carreira militar antes de completar 2 anos de serviço. Na sequência, trabalhou em bancos e gravadoras, mas só se encontrou profissionalmente na década de 70, quando começou a gerenciar uma clínica na Zona Oeste da cidade. Foi nesse ramo que o Wanderlaan virou “Wander”, ou apenas “Wawa” para os mais íntimos.
Foi no final de década de 70, para ser mais preciso, em 1977, que o Wander fez a escolha mais importante de sua vida: terminar um casamento de quase uma década para ficar com uma linda moça de 19 anos, que tinha acabado de conhecer na clínica.
Em 21 de setembro de 1978, Wander casou-se novamente, com a linda moça que tinha conhecido há um ano na sala de espera da clínica. Em 26 de agosto do ano seguinte nasceu a primeira filha do casal, uma menina encantadora, de bochechas macias e sorriso fácil.
Ela reinou absoluta até o dia 10 de março de 1984, dia que Wander realizou o grande sonho de ser pai de um menino.
O tempo foi passando e a Tianinha virou Tatiana, uma bela mulher, inteligente, caseira e obediente. O Renatinho transformou-se no Renato, nome escolhido por Wander para homenagear o pastor da Igreja da qual ele tinha acabado de se converter. Renato era um adolescente semi-independente, que lutava pelos seus ideais. Quando ouvia Renato relatando animado as suas aventuras como diretor do grêmio estudantil, vocalista de banda de rock ou coordenador de Crisma na paróquia do bairro, lembrava com saudade da sua juventude, quando esteve ao lado de Carlos Lacerda nas manifestações contra o governo de Getúlio Vargas, ou de quando na mesma época, ditava com os seus amigos as regras nos arredores do Jardim do Méier, expulsando travestis e ladrões.
Ele sonhava em ver o seu filho militar e a sua filha advogada. Mas Renato só se interessou por música e rádio, e resolveu fazer comunicação social, e Tatiana passou na prova para uma faculdade federal, formou-se em química e começou a dar aulas particulares.
Wander trocou de igreja, agora era um Presbiteriano, onde em 2005 tornou-se Presbítero. Neste mesmo ano, uma hérnia o levou para a maca de um hospital. Teria sido uma operação normal e sem risco como a grande maioria dos procedimentos para retirada de uma hérnia, se ele não tivesse contraído uma infecção hospitalar, que o manteve internado por 3 meses, chegando ao nível de alto risco de morte. Mas ainda não era a sua hora, sua reabilitação em casa foi rápida, repouso e muito amor de sua família foram o tratamento perfeito para ele.
Em 2006, aos 68 anos, Wander levou mais um grande susto, ele descobriu estava com câncer na próstata. Ao contrário da hérnia no ano anterior, a retirada do câncer foi um sucesso, e em poucas semanas ele já estava levando uma vida normal.
Já aposentado, Wander decidiu que aquela era a hora de aproveitar a vida, conhecer lugares, realizar sonhos. Ia sozinho ao Maracanã assistir os jogos do Flamengo, comprou roupas da moda, voltou para o coral da igreja e ficou muito mais próximo da família.
O ápice dessa fase ocorreu no dia 12 de outubro de 2007, quando Wander resolveu acompanhar o seu filho num passeio com os amigos em Paquetá. Ele parecia um garoto de 20 anos, fazendo trilha, andando de quadriciclo e escrevendo o nome dos rapazes ali presentes na parede de um coreto no centro da ilha.
Nos últimos tempos quando anoitecia, Wander acomodava-se no sofá da sala, ligava o rádio na JB FM e ficava viajando nas canções até a hora de dormir. Algumas vezes o seu momento de paz e leveza espiritual foi interrompido com a chegada de seu filho em casa, cantando, pedindo janta ou querendo conversar sobre rádio, política ou Fórmula 1. Mas no fundo Wander esperava ansioso por aquele momento todos os dias, pois significava que o seu “filhão” estava em casa, são e salvo dos perigos da rua.
Em 2008 Wander realizou um sonho contido há décadas dentro de si, candidatar-se a vereador pela cidade do Rio de Janeiro. O número de votos não chegou nem perto dos candidatos eleitos, mas o prazer para ele era competir, e isso ele fez com muita dignidade.
Um mês depois da eleição, ele foi chamado pelo hospital para fazer uma cirurgia de correção na bexiga, ele foi confiante que seria apenas mais uma cirurgia, pois na teoria seria a mais simples das duas realizadas até então, mas não foi bem assim.
Wander contraiu uma bactéria no hospital, conhecida como Síndrome de Fournier, foram 56 dias internado sem reclamar ou questionar a vontade de Deus, 4 idas ao centro cirúrgico, a melhora surpreendente com previsão de alta no dia 02 de janeiro, seguida por uma piora repentina do quadro em 06 de janeiro, e o óbito às 18:09 do dia 10 de janeiro de 2009. Enquanto Renato orava segurando a sua mão direita, crente que presenciaria um milagre naquele momento, o aparelho que media os batimentos cardíacos regredia sua contagem, numa tortura que fez daqueles poucos segundos os mais longos de sua história.
Conforme o seu desejo expresso numa carta escrita dias antes da internação, seu corpo foi cremado. A família decidiu jogar as suas cinzas em Paquetá, do alto do mesmo coreto onde ele fez questão escrever o seu nome, do seu filho e de todos os amigos que presenciaram em 12 de outubro de 2007, o início da fase mais feliz de sua vida.
Wanderlaan Cantharino faleceu aos 70 anos de idade, porém, foi o tempo suficiente para deixar aos familiares e amigos exemplos de bondade, caráter, fé e superação.

Com muito orgulho, eu me chamo Renato da Silva Cantharino, sou o “filhão” do Wander, e cabe a mim agora a responsabilidade de dar continuidade a família Cantharino, não permitindo morrer com o papai todos os valores e ensinamentos deixados por ele.

Encerro essa postagem com a canção que o fazia chorar sempre que tocava na rádio. Mas depois daquele 10 de janeiro, nós que choramos de saudade todas as vezes que a escutamos.

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