Foi em um 10 de janeiro que rezei o Pai Nosso mais longo da
minha vida. Enquanto rezava segurando a mão direita do meu pai, acompanhei
impotente os batimentos dele diminuírem até o alerta sonoro contínuo do
aparelho, que nunca saiu da minha memória.
Tantas coisas aconteceram nos últimos 5 anos, mas não
preciso contar, né? Sei que o senhor está sempre comigo.
Gostaria de saber a sua opinião sobre as minhas escolhas, os
novos amigos, as namoradas, minha performance como baterista, minha profissão, Fórmula
1, os novos episódios do Chaves... Mas tento imaginar.
Obrigado, paizão!
Dois meses após a morte do papai, eu ingressei na faculdade
de jornalismo. O meu primeiro trabalho foi uma redação. O texto foi uma
homenagem ao Sr. Wanderlaan. Poucas pessoas tiveram acesso a esse texto até
hoje. Acho que só a professora, minha mãe, minha irmã e a colega de
faculdade, com que eu viveria uma paixão universitária ao ponto de morarmos
juntos. A coincidência é que ela faz aniversário no dia 10 de janeiro.
Achei a redação na pasta de trabalhos da faculdade:
BIOGRAFIA DE UM GRANDE HOMEM
Wanderlaan Cantharino nasceu em 13 de
julho de 1938, em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo. Filho de mãe
capixaba e pai italiano.
Ainda criança, sua família mudou-se para
o Rio de Janeiro, onde anos depois prestou serviços ao Exército Brasileiro. Ele
pediu baixa da carreira militar antes de completar 2 anos de serviço. Na sequência,
trabalhou em bancos e gravadoras, mas só se encontrou profissionalmente na
década de 70, quando começou a gerenciar uma clínica na Zona Oeste da cidade. Foi
nesse ramo que o Wanderlaan virou “Wander”, ou apenas “Wawa” para os mais
íntimos.
Foi no final de década de 70, para ser
mais preciso, em 1977, que o Wander fez a escolha mais importante de sua vida:
terminar um casamento de quase uma década para ficar com uma linda moça de 19
anos, que tinha acabado de conhecer na clínica.
Em 21 de setembro de 1978, Wander
casou-se novamente, com a linda moça que tinha conhecido há um ano na sala de
espera da clínica. Em 26 de agosto do ano seguinte nasceu a primeira filha do
casal, uma menina encantadora, de bochechas macias e sorriso fácil.
Ela reinou absoluta até o dia 10 de
março de 1984, dia que Wander realizou o grande sonho de ser pai de um menino.
O tempo foi passando e a Tianinha
virou Tatiana, uma bela mulher, inteligente, caseira e obediente. O Renatinho
transformou-se no Renato, nome escolhido por Wander para homenagear o pastor da
Igreja da qual ele tinha acabado de se converter. Renato era um adolescente
semi-independente, que lutava pelos seus ideais. Quando ouvia Renato relatando animado
as suas aventuras como diretor do grêmio estudantil, vocalista de banda de rock
ou coordenador de Crisma na paróquia do bairro, lembrava com saudade da sua
juventude, quando esteve ao lado de Carlos Lacerda nas manifestações contra o
governo de Getúlio Vargas, ou de quando na mesma época, ditava com os seus
amigos as regras nos arredores do Jardim do Méier, expulsando travestis e ladrões.
Ele sonhava em ver o seu filho militar
e a sua filha advogada. Mas Renato só se interessou por música e rádio, e
resolveu fazer comunicação social, e Tatiana passou na prova para uma faculdade
federal, formou-se em química e começou a dar aulas particulares.
Wander trocou de igreja, agora era um
Presbiteriano, onde em 2005 tornou-se Presbítero. Neste mesmo ano, uma hérnia o
levou para a maca de um hospital. Teria sido uma operação normal e sem risco
como a grande maioria dos procedimentos para retirada de uma hérnia, se ele não
tivesse contraído uma infecção hospitalar, que o manteve internado por 3 meses,
chegando ao nível de alto risco de morte. Mas ainda não era a sua hora, sua
reabilitação em casa foi rápida, repouso e muito amor de sua família foram o tratamento
perfeito para ele.
Em 2006, aos 68 anos, Wander levou mais
um grande susto, ele descobriu estava com câncer na próstata. Ao contrário da
hérnia no ano anterior, a retirada do câncer foi um sucesso, e em poucas
semanas ele já estava levando uma vida normal.
Já aposentado, Wander decidiu que
aquela era a hora de aproveitar a vida, conhecer lugares, realizar sonhos. Ia
sozinho ao Maracanã assistir os jogos do Flamengo, comprou roupas da moda,
voltou para o coral da igreja e ficou muito mais próximo da família.
O ápice dessa fase ocorreu no dia 12
de outubro de 2007, quando Wander resolveu acompanhar o seu filho num passeio
com os amigos em Paquetá. Ele parecia um garoto de 20 anos, fazendo trilha, andando
de quadriciclo e escrevendo o nome dos rapazes ali presentes na parede de um
coreto no centro da ilha.
Nos últimos tempos quando anoitecia,
Wander acomodava-se no sofá da sala, ligava o rádio na JB FM e ficava viajando nas
canções até a hora de dormir. Algumas vezes o seu momento de paz e leveza
espiritual foi interrompido com a chegada de seu filho em casa, cantando,
pedindo janta ou querendo conversar sobre rádio, política ou Fórmula 1. Mas no
fundo Wander esperava ansioso por aquele momento todos os dias, pois
significava que o seu “filhão” estava em casa, são e salvo dos perigos da rua.
Em 2008 Wander realizou um sonho contido
há décadas dentro de si, candidatar-se a vereador pela cidade do Rio de
Janeiro. O número de votos não chegou nem perto dos candidatos eleitos, mas o
prazer para ele era competir, e isso ele fez com muita dignidade.
Um mês depois da eleição, ele foi
chamado pelo hospital para fazer uma cirurgia de correção na bexiga, ele foi
confiante que seria apenas mais uma cirurgia, pois na teoria seria a mais
simples das duas realizadas até então, mas não foi bem assim.
Wander contraiu uma bactéria no
hospital, conhecida como Síndrome de Fournier, foram 56 dias internado sem
reclamar ou questionar a vontade de Deus, 4 idas ao centro cirúrgico, a melhora
surpreendente com previsão de alta no dia 02 de janeiro, seguida por uma piora
repentina do quadro em 06 de janeiro, e o óbito às 18:09 do dia 10 de janeiro
de 2009. Enquanto Renato orava segurando a sua mão direita, crente que presenciaria
um milagre naquele momento, o aparelho que media os batimentos cardíacos
regredia sua contagem, numa tortura que fez daqueles poucos segundos os mais
longos de sua história.
Conforme o seu desejo expresso numa
carta escrita dias antes da internação, seu corpo foi cremado. A família
decidiu jogar as suas cinzas em Paquetá, do alto do mesmo coreto onde ele fez
questão escrever o seu nome, do seu filho e de todos os amigos que presenciaram
em 12 de outubro de 2007, o início da fase mais feliz de sua vida.
Wanderlaan Cantharino faleceu aos 70
anos de idade, porém, foi o tempo suficiente para deixar aos familiares e
amigos exemplos de bondade, caráter, fé e superação.
Com muito orgulho, eu me chamo Renato
da Silva Cantharino, sou o “filhão” do Wander, e cabe a mim agora a
responsabilidade de dar continuidade a família Cantharino, não permitindo
morrer com o papai todos os valores e ensinamentos deixados por ele.
Encerro essa postagem com a canção que o fazia chorar sempre que tocava na rádio. Mas depois daquele 10 de janeiro, nós que choramos de saudade todas as vezes que a escutamos.
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