Sou fruto de miscigenação
curiosa. Nasci no Rio de Janeiro, mas meu saudoso pai era filho de uma capixaba
com um italiano. Já a minha mãe é paraibana. Por causa dessa improvável árvore
genealógica, cresci sem ter contato com avós, tios, primos e demais familiares.
Mas desde pequeno tive a compensação, e que compensação! Tenho os melhores
amigos do mundo e suas famílias acabam sendo minhas também! Mas há cerca de 10
anos, se iniciou um fenômeno que parece não ter fim: a maior parte dos meus amigos de longa data desistiu do Rio de Janeiro.
Começou no início de 2009, quando
um grande amigo, que fiz na época de coordenação de Crisma, aceitou uma boa proposta
de emprego e foi morar em Guarulhos. Nossa amizade foi muito além da igreja.
Durante o auge da nossa adolescência, ele foi meu principal companheiro de
aventuras. Foi com ele que fundei a ‘Turbinol’, a banda que só fez um show. Em
2011, fui a São Paulo presenciar o casamento dele. Atualmente, tem dois filhos
com a esposa.
Em 2010, foi a vez de um casal
muito próximo abandonar a casa que tinha acabado de reformar no
Rio para viver a paz da cidade de Bananal, em São Paulo. Atualmente, ele que é
geógrafo, vive tranquilamente com a esposa e o filho, e ainda tem tempo para se
engajar em causas ambientais da região.
Dois anos depois, foram duas
pancadas! Na semana do meu aniversário, o amigo que é o meu irmão mais velho,
conselheiro e refúgio nos momentos mais difíceis. Ele deixou uma ascendente
carreira no Rio de Janeiro, após aceitar um convite para trabalhar no Distrito
Federal. Hoje em dia, é uma referência em uma determinada área da saúde mental.
Ainda em 2012, outro casal de amigos decidiu que aqui não era mais um bom
lugar. Os dois abandonaram empregos em grandes empresas para viver em Londres.
Há poucas semanas, nasceu a primeira filha deles, uma linda princesa londrina!
Em 2014, outro grande amigo muito
importante na minha história de vida, e que durante a década de 1990 era o meu
ídolo, pois foi um dos artistas mais influentes do cenário underground carioca.
Deixou a cidade que um dia viu sua foto estampada nos cadernos de cultura dos
jornais para montar uma pousada na pacata cidade de Cunha, em São Paulo. Além
de cuidar da bela pousada com temática musical, seu hobby é fazer apresentações
em outros estabelecimentos, tocando e cantando canções de artistas que o
influenciaram.
Em 2015, a mulher que foi a minha
primeira grande amiga. Depois de passar por um sombrio período de depressão,
ela desconfiou que a sua cura poderia estar no aeroporto. Deixou toda a
tristeza pra trás e foi ser feliz na Colômbia. Nos falamos há alguns dias. Ela
está mais feliz do que nunca, prosperando profissionalmente e já preparando o
segundo passo da sua busca pela felicidade: Europa.
No ano de 2016, foi a vez da
minha então namorada. Ela é natural de Jacareí, uma cidade do interior de São
Paulo. Após 7 anos morando no Rio de Janeiro, não aguentou mais. Após ter
sintomas de síndrome do pânico, descobriu durante alguns dias em sua terra
natal que a cidade maravilhosa estava afetando a sua saúde.
No ano passado, mais um casal, do
qual sou padrinho de casamento. Ele, um dos engenheiros de telecomunicações
mais requisitados na implementação da telefonia móvel no país, não conseguia
mais usufruir dos bens que conquistou com muito suor. Apaixonado por motos
esportivas, após ser rendido por bandidos na porta de casa, não tinha mais
tranquilidade para curtir o seu hobby. Vendeu tudo e foi morar com a esposa no
Texas.
Mas 2018 já começou com uma
grande surpresa. Desta vez, é o meu melhor amigo, que há mais de 20 anos é o
meu irmão de alma. O cara com quem no início da adolescência dividi composições
e as paixões por música e automobilismo. Ele é a pessoa com quem mais briguei
na vida, por isso acredito que também seja a que mais me conhece. Quando
voltamos a nos falar, depois de um período de 3 anos brigados, nós dois
estávamos em processo de irmos morar com nossas companheiras, mas não sabíamos
que as duas tinham o mesmo nome. Só que a dele, com quem está casado e me deu
um sobrinho, nasceu exatamente no mesmo dia que eu: 10/03/1984.
No grupo de whatsapp dos amigos
de infância, ele sempre fala: “eu já sabia que o Renato daria essa resposta”.
Quando achamos que o outro não está bem, não mandamos mensagem perguntando se
está tudo certo. Telefonamos logo um pro outro, pois o “alô” já responde a
nossa dúvida.
Porém, a história se repete: ele
vai trocar um ótimo emprego numa multinacional para proporcionar mais qualidade
de vida à família, na cidade de São Carlos, em São Paulo. Hoje, coube a mim o
papel de marcar a despedida com os amigos de infância. Logo depois,
coincidentemente, a rádio que eu estava ouvindo tocou a música ‘Big Empty’, do
Stone Temple Pilots, nossa segunda banda favorita, pois a primeira dele é o
Pearl Jam e a minha é o Soundgarden. Na hora, mandei pra ele o print do aplicativo
da rádio com o nome da música que estava tocando. E foi assim a minha
quarta-feira de cinzas, um verdadeiro ‘Big Empty’ ou ‘Grande Vazio’ em
português.
Há um senso comum entre todos os
meus amigos que tiveram coragem de partir: nenhum deles cogita a possibilidade
de voltar a morar no Rio de Janeiro.
Minha profissão me faz enxergar
tudo com olhar crítico. A cada dia fico mais desanimado com o que presencio
no Rio de Janeiro. Não são apenas os políticos, basta ter um evento como o
carnaval, para perceber que uma parte da população merece os governantes que
tem. O rio não dá mais certo.
Desde 2009, quando meu primeiro
amigo saiu do Rio, fui vítima de um sequestro relâmpago, depois tive o meu
carro e pertences roubados enquanto estacionava num dos pontos mais
movimentados da noite carioca. E por último, em janeiro do ano passado, fui
assaltado e agredido a caminho do trabalho, às 04 h da manhã. Além disso,
também sofri dois furtos durante a cobertura de grandes eventos. Já contei alguns desses casos aqui no blog.
Enquanto escrevia este texto, um
amigo postou no Facebook que estava acontecendo mais um arrastão no Túnel Santa
Bárbara, que é uma das vias mais importantes da cidade.
Como as minhas amizades mais recentes ainda
estão por aqui, seguimos confraternizando em nossas casas, onde nos sentimos um
pouco mais seguros e menos afetados pela desordem e a falta de educação de uma parte da população.
ResponderExcluirObrigado Renato por ter sido citado em seu belo e real texto. Embora haja gente dizendo que tudo não passa de sensacionalismo, que tudo é um exagero da imprensa, etc...os fatos estão aí para comprovar. Eu morei no Rio por 41 anos e nunca fui assaltado e ser assaltado numa cidade grande é mais do que comum. Porém, cenas de arrastões, vias expressas paradas e pessoas no chão, crianças baleadas dentro de casa ou na escola, carros fechando carros de família assim do nada na rua para assaltar e balear inocentes, não é comum em qualquer lugar do mundo não. Não é sensacionalismo não. As provas estão aí expostas. Morre-se pencas de policiais toda a semana. Isso não se vê em lugar nenhum. Quando deixei o Rio há 4 anos atrás, fiquei com o coração partido. Fiquei triste em deixar amigos, emprego, raízes e família para trás. Até hoje sinto falta de algumas pessoas, das praias maravilhosas e da minha rotina que construí ao longo desses 41 anos que aí vivi. Eu (como nativo) achava "onda" chegar em outras cidades e dizer que sou carioca. Mas, com o passar do tempo comecei a perceber o quanto o carioca é filme queimado e associado a um povo mal educado, marrento, metido a malandro, sem classe e que gosta de tirar vantagem em tudo como se os outros fossem otários. Sei que nós (seres do bem e o oposto do que citei), acabamos pagando por isso por haver uma generalização. Sei que existem muitos cariocas do bem e por onde eu ando chego a me indispor com as pessoas que denigrem a imagem do Rio e acham que nós cariocas somos todos assim. Mas infelizmente luto quase que sozinho e tenho a convicção que não tem como esconder sujeira embaixo do tapete. Não tem como negar. O Rio está muito ruim sim. Quando estou no Rio (ainda trabalho numa grande emergência hospitalar) percebo nitidamente a diferença do povo, da educação, da "malandragem" e da falta de cultura. Se tentássemos mudar agora, talvez daqui umas 3 gerações viéssemos a ter algum resultado. O Rio realmente está abandonado. Sei que violência tem em todos os cantos, mas eu que convivo lá e cá tenho propriedades para comparar e afirmar que o Rio tá demais.
Hoje vivo numa cidade que é um misto de interior com cidade semi-desenvolvida. Posso felizmente lhe dizer que possuo uma ótima qualidade de vida, posso andar nas ruas falando ao celular, ando numa cidade limpa sem grandes quantidades de lixo nas ruas, sem pichações nas ruas, sem caos urbano. E não moro no mato não (eu trabalho no mato). Moro perto de shoppings, faculdades, hospitais, ruas com vida noturna e tudo que uma grande cidade tem. Se eu pudesse, traria comigo pessoas queridas para cá (enquanto elas estão sãs). Mas, admito que é preciso coragem para recomeçar uma nova vida em outra cidade, coragem para se desprender de raizes e deixar coisas e pessoas para trás. A tendência será só piorar.
Uma pena que essas coisas estejam acontecendo bem mais e cada vez de uma maneira pior.
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