domingo, 21 de outubro de 2018

O final fica por sua conta...

Neste domingo, fui ao terceiro enterro no prazo de 10 dias, pois três grandes amigos perderam entes muito próximos. O primeiro perdeu o tio/padrinho num acidente de carro, após perder o controle do veículo e bater numa árvore. O segundo perdeu a avó, a pessoa mais importante da vida dele. Ela disse que não estava sentindo-se bem, deitou no colo de uma das filhas e deu o suspiro derradeiro. O terceiro e último, meu amigo desde o berço, passou horas procurando o pai, que havia saído antes do almoço para fazer compras. Ele só o encontrou às 21h30, no IML. Passou mal voltando pra casa e o coração não resistiu.
Três pessoas que não tiveram a chance de se despedir, de dar um beijo, de abraçar forte... Três pessoas que acordaram pensando que seria só mais um dia, não o último.
Essa é a vida, bela, intensa e compartilhável, porém, fugaz.
Os três partiram sem levar nada palpável daqui, mas deixaram riquezas incalculáveis dentro dos meus amigos e dos demais entes queridos.
Este até poderia ser mais um texto enorme que escrevo, mas acho que neste caso, a minha opinião/reflexão não tem valor algum pra outra pessoa. É só uma questão de interpretar a vida. Deixo essa publicação inacabada para que você, que dedica alguns minutos aos meus devaneios, conclua da forma que quiser. Se refletir, aja, beije, abrace e ame! Caso contrário, tenha um bom dia amanhã, pois será apenas mais um.

P.S.: Enquanto escrevia, essa música do síndico veio-me à cabeça:

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Decidi ter um quase cinquentão


O meu Fusca 1971 completou 1 ano! Como assim? Vou explicar, mas preciso voltar quase três décadas. No início da década de 1990, um vizinho comprou um lindo Maverick azul. Fiquei encantado com o design agressivo e com o ronco assustador do modelo. Era um autêntico carro de vilão de filme americano. Porém, na década de 1990, um carro fabricado na década de 1970 era considerado velho, não antigo. Mas de todos os carros da vila onde cresci, era o Maverick que fazia os meus olhos brilharem.
Pausa para uma queixa: quase 30 anos depois, até hoje não andei em um Maverick. Nem o vizinho e nem o seu filho, que é um grande amigo, me deram essa alegria.
Continuando... Saí da infância, passei pela adolescência e cheguei à fase adulta ainda apaixonado pelo Maverick azul. Em 2003, o meu vizinho ganhou de um de seus filhos outro Maverick, completamente original, o que não era o caso do outro. Então, ele resolveu vender o tão cobiçado Maverick azul. Na época, a cultura do antigomobilismo com carros da década de 1970 ainda engatinhava, o que fez com o valor pedido fosse muito baixo. Coincidentemente, naquela ocasião, aos 19 anos de idade, eu compraria o meu primeiro carro.  A ideia inicial era comprar um carro 0km básico ou um semi-novo com alguns acessórios. Mas quando fiquei sabendo que o Maverick estava à venda, mudei completamente os planos: compraria um carro de 5 anos de uso para o dia a dia e sobraria a grana para comprar o Maverick. Mesmo sendo com o meu dinheiro, consultei minha família. É claro que todo mundo achou loucura. Um dos argumentos era que eu só tinha uma vaga na garagem de casa. Eles venceram, comprei um carro novo e desisti do Maverick. Logo depois, o carro dos meus sonhos foi vendido. Nesses últimos 15 anos, o Maverick passou a ser um dos carros da década de 1970 mais cobiçados pelos antigomobilistas. Se eu o tivesse comprado em 2003, hoje, ele valeria pelo menos 10 vezes mais do que teria pagado na época. Esse é um dos maiores arrependimentos da minha vida.
Depois disso, quando pensava em ter um carro antigo, só cogitava um Maverick. Nos anos seguintes, tive alguns carros novos ou semi-novos. Porém, em 2014, o meu melhor amigo comprou um Fusca, modelo que é pra ele o que o Maverick é pra mim. Comecei a ir com eles a encontros de carros antigos, o que resgatou duas lembranças da minha infância: as histórias do Fusca laranjinha, o primeiro carro do meu pai, e o manual do proprietário do Fusca verde folha 1970 do meu padrinho, que foi uma das primeiras leituras da minha vida.  Por causa de um problema de visão, meu pai teve que parar de dirigir antes da minha vinda ao mundo. Meu padrinho também já não tinha mais o seu besouro, mas nunca soube o motivo para ter guardado o manual. Como na época, já não era mais possível comprar um bom Maverick por menos de R$ 40 mil (atualmente um exemplar do modelo com alto índice de originalidade e conservação já está perto dos R$ 200 mil), resolvi comprar num Fusca como meu hobby. Continuaria tendo um carro moderno, mas teria um antigo para acompanhar o meu melhor amigo nas exposições.
Após algumas semanas de procura em sites de venda, achei um 1971 vermelho cereja, único dono, com manual do proprietário, nota fiscal de fábrica e alto índice de originalidade. Era um verdadeiro tesouro. Comprei sem pensar duas vezes. O carro era um achado, no entanto, precisava de uma restauração total, pois só havia sido pintado uma vez em 43 anos e todo o interior era original de fábrica (bancos, forros e tecidos). 

No dia seguinte à compra, já o levei para a oficina do Chicão, meu lanterneiro de confiança. A previsão era que ficaria pronto em dois meses. Porém, Chicão teve grandes problemas de saúde relacionados à diabetes e ele não deixava nenhum funcionário mexer no meu carro. Era um serviço dele. Após 2 anos de muitas desculpas e prazos não cumpridos, Chicão morreu. O carro estava completamente desmontado em um canto da oficina. Cheguei a pensar em desistir do projeto e perder os quase R$ 7 mil reais investidos até então, que representavam a compra do carro e o sinal dos serviços de lanternagem e pintura. Mas não tive coragem, pois o histórico do carro era raríssimo. Não encontraria outro igual tão fácil. Em julho de 2016, tirei o carro da oficina do saudoso Chicão e levei para uma a 100 metros da minha casa. 

Na nova oficina, os trabalhos de lanternagem e pintura duraram 5 meses. Novamente, a vaga na garagem voltou a ser um empecilho. Precisava ter o Fusca por perto para providenciar o resto dos serviços que faltavam (capotaria, montagem, elétrica, mecânica...). 

Então tomei uma decisão radical: vendi o meu carro moderno, que chegava a ficar até um mês sem uso, pois sou bem atendido pelo transporte publico no trajeto casa x trabalho. Abri mão de ar condicionado, direção hidráulica, vidro elétrico, trava elétrica, air bag, piloto automático e outros itens de conforto.
A meta era deixar o Fusca exatamente como tivesse acabado de sair da linha de produção. Foi uma verdadeira torneira aberta de tempo e dinheiro. Sempre faltava algum detalhe. Comprei peças pelo Mercado Livre de quase todos os estados da federação. Além disso, cheguei a parar dentro de uma das favelas mais perigosas do Rio atrás de um botão do painel. Com a ajuda de vídeos do YouTube, restaurei em casa algumas peças de acabamento. Quando eu não estava trabalhando, estava na garagem mexendo no Fusca. Não sei como os meus dedos não caíram com a quantidade de produtos químicos que eu utilizava para tentar tirar as manchas de tinta e graxa das unhas.
Em outubro de 2017, finalmente, ele estava do jeito que eu queria. O investimento foi de pelo menos 30% a mais do seu valor de mercado após a restauração. Deixou de ser um hobby e virou um casamento, para nunca pensar em separação. 

Nesses últimos doze meses, juntos, escrevemos 6.500 quilômetros de histórias, viajamos para outro estado e fizemos ótimas amizades. Todo o prazer em dirigir que eu havia perdido, recuperei com intensidade. Aprendi o que era a tal “Fuscaterapia” que o meu melhor amigo falava. Quando o dia não está legal, basta sair pra dar uma volta pela cidade que volto revigorado pra casa. Aos finais de semana, quando a noite está bonita, costumo sair para comer um cachorro-quente na Praia de São Francisco, em Niterói, a 43 quilômetros da minha casa. Na Ponte Rio-Niterói, me sinto num túnel do tempo que me leva direto para a década de 1970.
Outro ponto positivo foi que me reciclei como motorista, pois a condução é totalmente diferente. Pra início de conversa, ele não tem retrovisor do lado direito. Ironicamente, esses doze meses também representam o maior período sem me envolver em um acidente de trânsito, desde o meu primeiro carro. Quem me conhece, sabe que o meu histórico de acidentes é extenso. Se juntar todos os Brats que tenho, a quantidade de folhas não ficará muito atrás da Bíblia Sagrada. Algumas pessoas até achavam que era um luxo trocar de carro a cada dois anos. Mas na verdade, elas não compreendiam que esse era o prazo máximo que um veículo durava na minha mão.
É impressionante como o Fusca mexe com a memória afetiva das pessoas, de todas as idades e classes sociais. Quase sempre que saio com ele, alguém para ao lado para elogiar, perguntar o ano de fabricação ou brincar perguntando por quanto eu venderia. 

Só no último mês, dois casos muito bacanas aconteceram. Estacionei rapidamente na porta de uma escola primária. Quando estava trancando a porta, se aproximou uma menina, de cerca de 8 anos, acompanhada pela mãe. Ela já chegou dizendo: “Mãe, é igual o que tenho em casa!”. Comecei a rir e a mãe me explicou que a menina é apaixonada por Fuscas e tem uma miniatura no quarto. Perguntei se ela já tinha entrado em um, a mãe respondeu que não. Então abri a porta e a mãe fez verdadeiro um book dela dentro do carro. Na que hora estava saindo, ela abraçou o volante como fosse um grande urso de pelúcia. Ganhei o dia!
Após alguns dias, estacionei o carro numa área quase deserta do shopping (antigomobilista tem pavor de parar perto de outros carros por causa das portas assassinas). Quando estava indo embora, o shopping já estava mais cheio, e ao lado do Fusca tinha um Renault Logan parado. Depois percebi que além do carro, tinha um senhor em pé, com tom de contemplação. Quando abri a porta, ele olhou pra mim e disse: “Tempo bom! Que saudade eu tenho desse carrinho!”. Batemos um papo por alguns minutos (algumas crianças até me comovem, mas idosos são o meu ponto fraco). Só não conversamos mais porque a esposa dele estava dentro do Logan esperando o fim dos saudosismos para ir embora. O Fusca é uma verdadeira máquina de arrancar sorrisos! Todo mundo tem uma história pra contar envolvendo este modelo da VW.
O meu Fusca foi utilizado nas gravações da nova versão do filme "O Beijo no Asfalto", do Murilo Benício. A estreia dele nas telefonas foi ao lado de Fernanda Montenegro, Lázaro Ramos e Stenio Garcia. Nada mau para um senhor que quase foi aposentado compulsoriamente. 
Mas o que me deixou feliz de verdade, foi ele ter sido usado nas fotos do casamento dos meus afilhados Alyne e Yuri.

Mas não foram só vitórias. Como ele ficou praticamente 3 anos parado, alguns problemas mecânicos foram surgindo conforme foi voltando a rodar. O pior de todos foi quando a roda traseira esquerda se soltou dentro do túnel Noel Rosa. Isso mesmo, no Noel Rosa, o túnel mais assustador do Rio de Janeiro. Outro problema que me deu muita dor de cabeça foi o entupimento da linha de combustível. Quando eu pisava fundo no acelerador, o carburador tentava puxar mais combustível, só que não chegava a quantidade suficiente, aí o carro começava a engasgar até morrer. Mas meu carma com túneis ainda não havia acabado. Por causa desse problema, enguicei no túnel da Covanca, na Linha Amarela e no Túnel Marcello Alencar. Troquei várias peças até descobrir que bastava limpar o canal por onde passava a gasolina. A última vez que ele me deixou na mão, foi em junho, quando estava indo passar um fim de semana em Visconde de Mauá. Tinha acabado de conseguir um posto para abastecer, pois foi no dia que acabou a greve dos caminhoneiros. Saí do posto e parei num sinal, acionei a embreagem e o pedal foi até o final, sem engatar a marcha. O disco de embreagem tinha ido pro espaço. No fim das contas, um amigo antigomobilista me ofereceu um de seus carros, o que salvou o meu fim de semana.
Depois da conclusão da restauração, ficou faltando apenas uma coisa: um nome! Como ele foi fabricado em 1971, ano do nascimento do meu maior ídolo no automobilismo, o meu Fusca passou a ser chamado de Jacques Villeneuve, ou apenas Villeneuve para os mais íntimos.

O grande problema é que após o primeiro carro antigo, é difícil saber a hora de parar. Daqui a alguns dias, fica pronto o Nelson Piquet, um Chevette 1987, com o raro interior marrom tabaco e apenas 80 mil quilômetros rodados, comprado por mim há dois meses. Como ele ainda estava com a pintura original, levei para dar um banho de tinta.
A grande pergunta que me faço novamente é: onde vou guardá-lo? Se tiver uma vaga sobrando aí na sua casa, me avisa!