quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Dez anos do dia que não terminou

Paizão, hoje, quando a sua morte completa 10 anos, não há porque ficar triste. No fim da tarde de 10 de janeiro de 2009, quando a minha mãe voltou do hospital e disse para que eu corresse para lá, pois de acordo com os médicos, aquele deveria ser o seu último dia, pedi a Deus, durante os vinte quilômetros que nos separavam, para que o senhor me esperasse. Cheguei a tempo e o senhor me concedeu os últimos 15 minutos da sua vida a sós naquele quarto. Foram os 15 minutos mais rápidos da minha vida, porém, suficientes para que eu falasse tudo que era necessário na nossa despedida. Quando eu comecei a rezar e os seus batimentos foram parando, eu não tive a menor dúvida que Deus estava naquele quarto te levando com carinho para o lado dele. Um silêncio perturbador tomou conta do sétimo andar daquele hospital. Mas não eu não era o único que estava chorando. O seu médico, que quatro anos antes era residente e participou da equipe que o salvou pela primeira vez, naquele plantão, era o responsável pelo andar. Eu tinha acabado de perder meu pai, minha maior referência. No entanto, ele também estava perdendo o caso que um dia foi o orgulho de uma equipe muito competente e dedicada. Ele foi o primeiro a entrar no quarto após o monitor cardíaco zerar. Com os olhos marejados e a tranquilidade de quem já esperava aquela situação, ele não disse nada, apenas me deu um abraço e logo em seguida posicionou as suas mãos ao lado do quadril. O senhor era muito mais amado do que imaginava. Naquela noite, o saguão do hospital parecia o quintal da nossa casa num fim de semana, quando muitos dos meus amigos ficavam batendo papo e brincando com o senhor.


Nunca vou conseguir retribuir o que eles, que também o consideravam como um pai, fizeram por mim, pela mamãe e pela Tatiana naquela noite. No dia seguinte, quando foi realizado o seu velório, a tristeza foi substituída por um momento de celebração do amor. Amigos que até então, nunca haviam entrado em um cemitério, mesmo que fosse para se despedir de parentes, debutaram naquele dia. Se um estranho chegasse naquele momento, teria dificuldade de identificar quem era realmente o seu filho de sangue, pois a dor parecia ser igual pra todo mundo. Por isso, quando chegou a hora de decidir o que fazer com as suas cinzas, não tive dúvida: o mirante de Paquetá, onde o senhor, no ano anterior, havia levado boa tarde da turma pra conhecer, num dia em que eu, o senhor e meus melhores amigos nos divertimos como crianças de 7 anos, mesmo com todos já na fase adulta.


Nesses últimos dez anos, muita coisa aconteceu, pai. Após trancar a faculdade de publicidade para estudar rádio, comecei a cursar jornalismo, dois meses após a sua morte. Já no primeiro dia de aula, conheci a mulher com quem eu me ‘casaria’ no ano seguinte. Ironicamente, ela faz aniversário no dia 10 de janeiro. Do grupo dos meus amigos que o senhor considerava todos como filhos, eu fui o primeiro a juntar as escovas de dente. Porém, fui o único que se separou. Rs... Seus outros filhos construíram famílias lindas e o Thiago, o que gente mais zoava, te deu até um neto, mas não foi o único. Muitos não estão mais morando no Rio, alguns até fora do país, mas mantenho contato com todos. Depois do casamento que deu certo por pouco tempo, tive algumas namoradas. Sempre pensava rindo: “essa o papai ia adorar” ou “o papai ia falar que essa é chatinha”. Nos últimos dez anos, novos grandes amigos entraram na minha vida e consigo imaginá-los colocando pilha no senhor pra me zoar, como faziam Thiago, Cabeça, Sanmer e outros. A minha maior qualidade continua sendo saber escolher bem as pessoas ao meu redor.


O senhor lembra quando eu estudava locução e ia trabalhar de graça em rádios comunitárias só pra treinar? O senhor ficava em casa mudando o rádio de local só pra conseguir me sintonizar, mesmo com muito chiado e ruídos. Então, quando me formei em jornalismo, ingressei na Rádio Globo, a emissora que eu ouvi com o senhor a vida toda para acompanhar os jogos do seu amado Flamengo. Que me perdoe o incrível José Carlos Araújo (Garotinho), mas o Edson Mauro sempre foi o nosso preferido. O moleque que ficava imitando o bordão “maaaaaaarrrrrque o tempoooo”, se tornou colega de empresa e amigo do ídolo. Se eu pudesse enviar apenas uma coisa para o céu, seria um rádio para que o senhor pudesse me ouvir em alto e bom som junto com a Tia Rosa e o Tio Áureo. Acho que o senhor ficaria bobo com o seu ‘filhão’. Quando o senhor partiu, o rádio era apenas um sonho meu, que acabou se tornando realidade da forma mais bonita. É, o senhor não teve um filho advogado e nem segui a carreira política, como foi o seu desejo no fim da vida, mas pode ter certeza, que nos últimos 6 anos, com o microfone na mão fiz mais justiça e lutei mais pela nossa cidade do que o homem da lei ou o vereador que eu poderia ter me tornado. Já fiz muita coisa bacana na carreira, mas o que mais mexeu comigo até hoje foi ser o repórter do Amarelinho em coberturas esportivas importantes, como a abertura da jornada esportiva da Copa do Mundo no Brasil ou a final da Copa do Brasil de 2013, quando o Flamengo sagrou-se campeão. Só o senhor vinha à minha cabeça durante as entradas no ar. Lembra também que eu ficava ao seu lado imitando o Alberto Brandão? Pena que o senhor não pôde ver como um dos substitutos dele nos jogos no Maracanã. Levei dois anos pra criar coragem de abordar o Edson Mauro e contar como o trabalho foi importante nos meus fins de semana com o senhor. Desde então, passamos de colegas de trabalho para amigos, que se falam sempre com muito carinho e respeito. A profissão também me proporcionou conhecer e me tornar amigo do Iseumar Pereira, o seu locutor preferido da JB e que fazia questão de ouvir todas as noites, mesmo quando estava internado. Ele ficou muito emocionado quando a contei história toda pra ele, principalmente a parte que envolve a música ‘Fragile’ do Sting. Dez anos depois, a minha mãe ainda chora toda vez que essa canção toca no rádio. Horas antes do senhor partir, passeio por uma loja de instrumentos musicais e comprei um violão. Ele está guardado, intacto, pois nunca aprendi a tocar instrumentos de corda. Até tive uma bateria por alguns anos, mas precisava fazer as pazes com os vizinhos e vendi. Quando o Thiago foi morar em São Paulo, me deu o piano que ele tinha em casa, mas tô com uma preguiça de entrar na aula. Mas não posso ir embora desse mundo sem saber tocar a música da sua vida no violão que comprei há exatos 10 anos:


Pai, me desculpa, mas nunca gostei de futebol. Torcia pro Flamengo só porque era a forma de acompanhá-lo num momento que te deixava tão feliz. Minha parada sempre foi automobilismo. Falando nisso, lembra qual foi o nosso último momento marcante em casa juntos antes do senhor ser internado pela última vez? Nós dois assistindo o GP Brasil de Fórmula 1 e o Felipe Massa ficou na posição de campeão por 35 segundos, tempo suficiente para que eu rasgasse a roupa numa crise eufórica e ficasse apenas de cueca gritando ao seu lado, enquanto o senhor me olhava assustado. Mas não adiantou nada, pois o Lewis Hamilton ultrapassou o Timo Glock e o sonho foi por água abaixo naquele temporal de 2 de novembro. Desde então, nenhum outro brasileiro chegou tão perto de ser campeão na principal categoria do automobilismo mundial.
Das coisas que fazíamos juntos, apenas uma não consegui continuar: assistir Chaves e Chapolin. Não faz o mínimo sentido ver pela trigésima vez o mesmo episódio sem ter o senhor ao lado pra rir, mesmo que antecipássemos todas as falas e piadas dos episódios. O dia da morte do Roberto Bolaños foi muito difícil pra mim, pois devia a ele milhares de horas que passamos juntos em casa durante 25 anos.
Sonhei pouquíssimas vezes com o senhor desde a sua morte, mas teve um momento em que te senti presente ao meu lado: show do Elton John na Apoteose, em 2017. Evitei algumas vezes de ir ao show de um dos nossos artistas preferidos, mas quando criei coragem, foi um momento lindo! Chorei mais do que cantei, mas de alegria. Ao mesmo tempo, tinha certeza que estávamos compartilhando aquele momento.
Nos últimos anos, comecei com um hobby que eu tenho certeza que o senhor ia adorar: antigomobilismo. Procurei, mas procurei muito por um Fusca laranja granada, igual ao seu primeiro carro. Cheguei a ir olhar um a mais de duzentos quilômetros daqui, mas não encontrei nenhum bom. Comprei um do mesmo ano do seu, mas é vermelho cereja. Fico pensado como o senhor, com a mistura de formalidade e sacanagem (no melhor sentido da palavra), seria popular no meio. Falando no seu jeito, minha mãe sempre diz que a cada dia minha personalidade está ficando mais parecida com a do senhor. Também me divirto tirando as pessoas mais próximas do sério e volta e meia falo uma frase absurda para poder deixar todo chocado e acabar com o assunto. Rs...
Lembra da Brooke, a gata que o senhor chamava de ‘preta ou branca’ ou ‘botafoguense’? Ela está enorme, parecendo um urso panda, só come e dorme. O Frajola morreu seis meses depois do senhor e a sua gata, a Beatriz Isaura, viveu pelo menos até 2016, quando a minha mãe foi obrigada a dá-la por causa de um problema com uma vizinha que estava grávida.
Da mesma forma que o senhor foi o pai para alguns dos meus amigos, Deus me presenteou com alguns pais emprestados nesses últimos anos. Tenho certeza que teve dedo seu quando pessoas como o Ricardo Ferreira e o Perrottão entraram na minha vida. A sua ausência física fez com que eu criasse um carinho especial por pessoas mais velhas, pois sinto falta de ouvir histórias.
Mamãe e Tatiana estão ótimas, mas se quiserem, elas que contem as novidades pro senhor.
Pai, pensando bem, acho que o senhor já sabia de tudo que te contei agora, né?
Obrigado por ter cultivado em mim o amor que te manterá vivo até o fim da minha vida!
Dê um abraço forte na Tia Rosa, no Tio Áureo, no David, no Betão, no Sr. Ademir, no Carlão e em tantas outras pessoas importantes que estão aí com o senhor. 
Um grande beijo, Paizão, Wanderlaan ou Sr. Cotonete!
P.S: Fica tranquilo que ainda vou te dar um Cantharininho.

4 comentários:

  1. Pra falar a verdade chorei e chorei em várias passagens pq algumas coisas tb só tinha graça com o.meu pai, meu herói o homem do bolo lá em casa, da farofa amanteigada de carne seca. Eu também sonhei com ele mas apenas uma vez e no sonho ele já tinha ido embora mas o Abraço foi tão real que acordei com a sensação de realmente ter abraçado meu pai.
    E essa forma de contar pra ele as coisas ah isso foi muito legal e ao mesmo tempo que a gente que passou por isso chora, também ri. Perdi o meu em 2011 e amanhã 11.01.2019 é um dia ainda triste por três anos da partida da minha melhor amiga, minha mãe. E temos algo em comum que eu odeio e minha mãe tb odiava veementemente: gente mentirosa.
    Obrigada por compartilhar uma história tão linda de amor incondicional e parceria com quem certamente devia ser tb seu herói e seu melhor amigo.��

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  2. Me emocionou muito o que escreveu Cantharino com certeza sei pai está com Deus desejando que você seja feliz. Me emocionou e me fez também recordar como sempre do meu pai também. Bjus.

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  3. Que história emocionante, Cantharino! Obrigada por compartilhar suas lembranças com a gente. Com certeza teu pai deve estar orgulhoso demais dos caminhos que você trilhou até o momento.

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